SAIU NA IMPRENSA: O Cangaço no Sertão

SAIU NA IMPRENSA: O Cangaço no Sertão

CORREIO DA PEDRA , 29 DE AGOSTO DE 1926

“12 horas de fogo em Tacaratú”

“Visita de Lampeão e sequazes”.

Se estivéssemos ainda na época em que dominava a crença de que o demônio tomava parte saliente nos acontecimentos maus que se desenrolavam no mundo, nós diríamos que um dos piores neste ano trágico de 1926, empenha-se em afligir a alma sertaneja, torturá-la, espezinhá-la, enlouquecê-la, tantas as provações, os martírios, as desditas, que sobre ela se têm abatido.

E tão extraordinários, tão estupendos são os sofrimentos que vive atualmente o sertanejo, que, se Euclides da Cunha o visse hoje, a unir as mãos em súplica a grupos de bandidos que lhe desonram o lar, lhe roubam os haveres e o espancam, certamente, ele que o descreveu como a expressão mais característica da força, da audácia e  da bravura brasileira, não o conheceria. […]

Os fatos desenrolados na vila de Tacaratu no dia 18, nos leva ás considerações acima.

Narremo-los, conforme notas obtidas no lugar em que eles se verificaram:

A Vingança de Manuel Victor

Ha cerca de um mês o Sr. Manuel Victor, comerciante em  Tacaratu, muito jovem e que sempre se portara de forma cordata, dizem que atacado de loucura subitânea, e unido a três companheiros bem armados e municiados, prendeu os Srs Antonio e Noé Faceiro Lima e os levou para sua residência, declarando-lhes que, pretendendo vingar-se de uma afronta que há dois anos lhe fizera a polícia alagoana e do espancamento feito pela mesma num seu tio, quando em diligência no município, em companhia do Sr. Ângelo Lima, de quem também pretendia vingar-se, os conservaria consigo, sobrinhos que são do Sr. Ângelo, como reféns, matando-os se por ventura este os atacasse, antes dele realizar o plano que tinha em mente.

O Sr. Pedro Martins, pai de Manoel Victor, procurou dissuadir o filho de semelhante pretensão, não conseguindo; em dado momento, porém, os prisioneiros se escapuliram e Manoel Victor desapareceu de Tacaratu, sem que ninguém, dele mais soubesse a menor notícia.

E foi por isso, surpresa enorme para a população, ao se espalhar a notícia, no dia 18, ás seis horas, de que o Sr. Antonio Faceiro quando abria o estabelecimento comercial de seu irmão , Sr. José de Souza Lima, de quem é empregado, fora preso e novamente por Manoel Victor, que o conduzira, como da primeira vez, para a casa em que reside.

12 Horas de “Fogo”

Manuel Victor voltara acompanhado de dois irmãos e cinco auxiliares. A família de Antonio Faceiro empenhou-se perante Manoel Victor para soltá-lo, mas ele se negou, tendo resultado idêntico o pedido de pessoas estranhas e ao da própria mãe, que lhe declarou sua vida correr perigo se ele não a atendesse.

Em face de  tal atitude, pessoas da família do Sr. Antonio Faceiro juntaram-se ao destacamento local composto de 16 praças e cercaram a casa de Manoel Victor, intimando-o a render-se, mas  ele continuou se negando.

Luiz Lima, filho de  Ângelo Lima, e que fazia parte do cerco, escreveu nessa ocasião um bilhete ao Manoel Victor, dizendo-lhe, para intimidá-lo, que estava com os pais dele, irmãs e cunhadas, presos e que os mataria, se ele não soltasse Antonio de Faceiro, recebendo a seguinte resposta:

Luiz,

Estou satisfeito em botar luto por irmã e cunhada, proceda como  quiser, mas Antonio Faceiro enquanto não se chegar a um termo perante seu Ângelo, não solto. Januário é homem desnaturado está agindo como homem reconhecido”.

Manoel Victor

No dia seguinte ás 8 horas um dos companheiros de Manuel Victor fugiu para se juntar aos da família de Antonio Faceiro, recebendo nesse momento muitos tiros de Manoel Victor e companheiros.

Os que cercavam a casa responderam aos tiros, estabelecendo-se confusão, da qual se aproveitou Antonio Faceiro para fugir também, acossado por verdadeira chuva de balas, da qual escapou milagrosamente.

O tiroteio continuou depois disso, fremente e terrível, apavorando a população, até às 21 horas, quando Manoel Victor furando o oitão da casa em que estava, passou-se com os companheiros para a casa vizinha, fugindo com eles pela porta de frente, a exceção de seu irmão Januário Martins, que caíra ferido numa perna e acha-se em estado grave.

Tudo voltou então a normalidade.

Chegada de Lampião

A casa em que estava Manuel Victor foi quase destruída pelas balas; os muros próximos, igualmente, ficando a igreja bastante danificada.

Horas depois, entrou na vila, Lampião com seu grupo, onde se demorou por algum tempo sem ofender a ninguém, e dizem que elogiando ao Manoel Victor, pela bravura de que dera provas.

Retirando-se de Tacaratu, em direção ao município de Floresta, estiveram Lampião e companheiros no Brejinho de Henrique, – distante uma légua de Jatobá; em Várzea Redonda, onde exigiram e receberam 250$000 (duzentos e cinquenta mil réis) da viúva Dionísio e dos Srs. Né e Dedé, respectivamente, 100$000 e 50$000 (cem e cinquenta mil réis); no Atalho receberam = 250$000 (duzentos e cinquenta mil réis)  do Sr. Pito, obrigando-o a mandar deixar-lhes um rifle no lugar Panela, d’Água, onde tomaram do Sr. Eloy Porfírio, um mosquetão. Em Alagoa das Areias mataram um boi pertencente ao Sr. Cypriano Alves da Cruz, daí se retirando para destino ignorado.

Os lugares citados pertencem todos ao município de Tacaratu.

Francis Rubens

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